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sábado, 20 de março de 2010

Quem sou eu?

Quem sou eu?

Falar de si próprio é um exercício mediado pela memória. Assim, é apenas um fragmento, um pedaço da história, o olhar precário, talvez distorcido de uma única pessoa. Não é um exercício fácil. Estamos impregnados da história de nosso tempo e dos outros tempos que continuam a nos impregnar. É também a história de vida da qual participamos voluntária ou involuntariamente.
É, também, buscar palavras, o que implica refletir sobre erros e pretensos acertos, sobre as relações humanas que se estabeleceram, sobre as afinidades que nos uniram a pessoas e sobre as divergências que sempre surgem. Afinal, cada um traz consigo a própria história e ela permeia as relações.
Só posso falar por mim e dizer que os desacertos são de minha inteira responsabilidade mas os acasos felizes, aconteceram pelo conjunto das ações das muitas pessoas que concorreram para minha formação, meu aprendizado, minhas alegrias, meu prazeres, minhas reflexões, minhas realizações.
Na crônica “Um Porto Alegre”, o escritor e cineasta gaúcho Tabajara Ruas
narra a experiência de ter recebido a Medalha de Porto Alegre, dizendo:

“[..] fiquei mudo como um pedaço de pau. [...] Mas eu queria dizer algumas palavras, como a maioria dos que receberam a medalha. Fiquei calado não porque não tivesse o que dizer, mas porque não sabia como dizer.”

A identidade com estas palavras veio à tona - guardadas as proporções de distância entre mim e o escritor - no sentido de que elas também me faltam.
Como falar de tantas histórias vividas, minha infância na cidade do Rio Grande, a experiência com o golpe militar de 64. Eu tinha apenas 15 anos de idade e a liberdade foi arrancada da minha escola, professores presos, torturados, casas invadidas. Como explicar o vento primaveril e o sol no rosto de minha adolescência, o bonde dentro do qual eu embalava meus sonhos indo para o Colégio Estadual Lemos Júnior. Este colégio, cuja cultura pedagógica, espírito democrático e professores foram determinantes para o resto de minha vida. Mas só pude te-los em conjunto durante os três anos que antecederam o golpe de 64. Isto é indelével.
Como descrever o sentimento de desafio e de medo indo ao encontro de meu “contato” receber o boletim mimeografado com as notícias de uma resistência da qual minha covardia impediu de participar.
Depois veio 68, o AI5, a repressão cada vez mais exacerbada. Como explicar o embotamento das idéias nos anos que se seguiram, ir para Porto Alegre na cara e na coragem, o despertar abrupto com a passeata de 23 de agosto de 1977, documentada no filme DEU PRA TI ANOS SETENTA. Ficar frente a frente com a repressão, refugiar-se no RU, a rearticulação no centro da cidade, Ivan Lins à noite no Teatro da Reitoria:

“...Não ande nos bares, esqueça os amigos ...Não pare nas praças, não corra perigo...”

Como colocar em palavras o que me constituí como identidade política em permanente construção e que foi com ela assim inacabada que cheguei aos anos pós ditadura militar. Como diz Ruas sobre as palavras:

“...elas sempre são insuficientes ou pouco claras ou dúbias.”

Só posso dizer, com certeza, que o que me move é o ódio à ditadura e o mais profundo desprezo pelo autoritarismo.
Hoje, aos 61 anos de idade, revendo esta história em permanente construção, trago à memória, com carinho, tantas pessoas iluminadas e delicadas que fazem parte de minha existência. Algumas a vida distanciou, outras permanecem e novas sempre surgem. Sem elas eu nada seria. E, mesmo das de que não tenho boas lembranças posso dizer que foram importantes porque me mostraram claramente o que eu jamais gostaria de ser.

Mas, ... quem sou eu?
Ainda não sei ou só sei em parte.